
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO. Divagações e momentos de reflexão sobre o amor, que gradativamente compõem o que é o discurso amoroso – um discurso que, como o próprio autor afirma, esquece do outro.
(Barthes) 1. “A necessidade deste livro se apóia na seguinte consideração: o discurso amoroso é hoje em dia de uma extrema solidão. Este discurso talvez seja falado por milhares de pessoas (quem sabe?), mas não é sustentado por ninguém; foi completamente abandonado pelas linguagens circunvizinhas: ou ignorado, depreciado, ironizado por elas, excluído não somente do poder, mas também de seus mecanismos (ciências, conhecimentos, artes). Quando um discurso é dessa maneira levado por sua própria força à deriva do inatual, banido de todo espírito gregário, só lhe resta ser o lugar, por mais exíguo que seja, de uma afirmação. Essa afirmação é em suma o assunto do livro que começa.” (Barthes, 1997: 12)
2. O livro, construído de maneira literária, não se propõe a ser didático como outros títulos do autor. É como se Barthes estivesse se expressando em um diário. No entanto, embora seja de cunho pessoal, o livro se torna universal nas palavras que descreve, como “Eu-te-amo” e “Lembrança”. Notando essa universalidade e transportando para a Semiologia, a linguagem amorosa parece um Sistema em que o Sintagma está subentendido em qualquer parte do mundo (a linguagem amorosa como Sistema é um conjunto de gestos, entonações e comportamentos típicos dos apaixonados, enquanto o Sintagma seria a cumplicidade de um casal ou das pessoas ao redor ao notar a conduta dos apaixonados). Em ordem alfabética, o autor francês escolhe algumas das palavras mais presentes no cotidiano dos amantes e utiliza a literatura (Freud, Nietzsche, Goethe, Lacan...) e a metalinguagem para definir uma a uma, tal qual um dicionário.
(Closer) 2. A fala da personagem de Natalie Portman retrata exatamente o que Barthes dizia sobre “Eu-te-amo”: “Where is this love? I can't see it, I can't touch it. I can't feel it. I can hear it. I can hear some words, but I can't do anything with your easy words.” (Onde está esse amor? Eu não o vejo, eu não o toco. Eu não o sinto. Eu consigo ouvi-lo. Eu ouço algumas palavras, mas eu não posso fazer nada com suas palavras fáceis.) Para Barthes, “Eu-te-amo” seria, depois da confissão inicial, uma repetição, ou ainda, um aposto (“Fulano, eu-te-amo”). O termo não adquire valor nem mesmo quando contextualizado e compreendido (e podemos aplicar aqui a Semiologia, quando Barthes distingue a Fala e a Língua. A Língua seria um sistema consentido, posterior à Fala que é uma tentativa de comunicação). A frase só teria sentido no momento em que foi pronunciada, no seu dizer imediato.
(Eternal Sunshine of the Spotless Mind) 3. O filme é constituído de digressões do personagem de Jim Carrey, que são relatos do seu dia-a-dia com a ex-namorada Clementine (atuada por Kate Winslet). São exatamente estas memórias que correspondem ao que Barthes chama de “Lembrança”: detalhes corriqueiros do casal que estão ligados ao ser amado e que para que Joel esqueça a personagem Clementine, é necessário que ele se livre de todos os pertences, objetos e pensamentos que o conectavam a ela – sejam elas boas lembranças ou dolorosas. Joel, já apagado das lembranças de Clementine, seria um Signo sem Significado. “O signo é, pois, composto de um significante e um significado. O plano dos significantes constitui o plano de expressão e o dos significados o plano de conteúdo” (Barthes, 1979: 43).
Texto: Claudia Yamaki
A disposição do texto foi propositadamente semelhante à diagramação do livro “Fragmentos de um discurso amoroso”, sendo, portanto, original do autor.
Para compreender melhor:
Filmes:
Closer – Perto Demais
Título original: Closer
Tempo de Duração: 100 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2004
Direção: Mike Nichols
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
Título original: Eternal Sunshine of the Spotless Mind
Tempo de Duração: 108 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2004
Direção: Michel Gondry
Referências:
BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 1979.
BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997.
Imagem:
Google Imagens, editada no Adobe Photoshop CS3