quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Dicionário literário sobre amor



FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO. Divagações e momentos de reflexão sobre o amor, que gradativamente compõem o que é o discurso amoroso – um discurso que, como o próprio autor afirma, esquece do outro.

(Barthes) 1. “A necessidade deste livro se apóia na seguinte consideração: o discurso amoroso é hoje em dia de uma extrema solidão. Este discurso talvez seja falado por milhares de pessoas (quem sabe?), mas não é sustentado por ninguém; foi completamente abandonado pelas linguagens circunvizinhas: ou ignorado, depreciado, ironizado por elas, excluído não somente do poder, mas também de seus mecanismos (ciências, conhecimentos, artes). Quando um discurso é dessa maneira levado por sua própria força à deriva do inatual, banido de todo espírito gregário, só lhe resta ser o lugar, por mais exíguo que seja, de uma afirmação. Essa afirmação é em suma o assunto do livro que começa.” (Barthes, 1997: 12)

2. O livro, construído de maneira literária, não se propõe a ser didático como outros títulos do autor. É como se Barthes estivesse se expressando em um diário. No entanto, embora seja de cunho pessoal, o livro se torna universal nas palavras que descreve, como “Eu-te-amo” e “Lembrança”. Notando essa universalidade e transportando para a Semiologia, a linguagem amorosa parece um Sistema em que o Sintagma está subentendido em qualquer parte do mundo (a linguagem amorosa como Sistema é um conjunto de gestos, entonações e comportamentos típicos dos apaixonados, enquanto o Sintagma seria a cumplicidade de um casal ou das pessoas ao redor ao notar a conduta dos apaixonados). Em ordem alfabética, o autor francês escolhe algumas das palavras mais presentes no cotidiano dos amantes e utiliza a literatura (Freud, Nietzsche, Goethe, Lacan...) e a metalinguagem para definir uma a uma, tal qual um dicionário.

(Closer) 2. A fala da personagem de Natalie Portman retrata exatamente o que Barthes dizia sobre “Eu-te-amo”: “Where is this love? I can't see it, I can't touch it. I can't feel it. I can hear it. I can hear some words, but I can't do anything with your easy words.” (Onde está esse amor? Eu não o vejo, eu não o toco. Eu não o sinto. Eu consigo ouvi-lo. Eu ouço algumas palavras, mas eu não posso fazer nada com suas palavras fáceis.) Para Barthes, “Eu-te-amo” seria, depois da confissão inicial, uma repetição, ou ainda, um aposto (“Fulano, eu-te-amo”). O termo não adquire valor nem mesmo quando contextualizado e compreendido (e podemos aplicar aqui a Semiologia, quando Barthes distingue a Fala e a Língua. A Língua seria um sistema consentido, posterior à Fala que é uma tentativa de comunicação). A frase só teria sentido no momento em que foi pronunciada, no seu dizer imediato.

(Eternal Sunshine of the Spotless Mind) 3. O filme é constituído de digressões do personagem de Jim Carrey, que são relatos do seu dia-a-dia com a ex-namorada Clementine (atuada por Kate Winslet). São exatamente estas memórias que correspondem ao que Barthes chama de “Lembrança”: detalhes corriqueiros do casal que estão ligados ao ser amado e que para que Joel esqueça a personagem Clementine, é necessário que ele se livre de todos os pertences, objetos e pensamentos que o conectavam a ela – sejam elas boas lembranças ou dolorosas. Joel, já apagado das lembranças de Clementine, seria um Signo sem Significado. “O signo é, pois, composto de um significante e um significado. O plano dos significantes constitui o plano de expressão e o dos significados o plano de conteúdo” (Barthes, 1979: 43).

Texto: Claudia Yamaki
A disposição do texto foi propositadamente semelhante à diagramação do livro “Fragmentos de um discurso amoroso”, sendo, portanto, original do autor.

Para compreender melhor:
Filmes:
Closer – Perto Demais
Título original: Closer
Tempo de Duração: 100 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2004
Direção: Mike Nichols

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
Título original: Eternal Sunshine of the Spotless Mind
Tempo de Duração: 108 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2004
Direção: Michel Gondry

Referências:
BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 1979.
BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997.

Imagem:
Google Imagens, editada no Adobe Photoshop CS3

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Pensando o "verde"

Análise do vídeo "The Green Song" da campanha MTV Switch
vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Bg0QminAPMM

Natália Rodrigues

Na efervescência das discussões sobre o aquecimento global, expressões como “pensar verde”, “respeito ao verde”, “preservação do verde”, se tornaram quase obrigatórias para se promover uma dita consciência ambiental. Aliás, neste cenário apocalíptico de mudanças catastróficas, o verde é o novo preto. Ser “verde” está na moda. E é esta apropriação da palavra como um adjetivo que supostamente traz embutido todos os valores de consciência e preservação ambiental – mas que na verdade tem funcionado como um meio de “marketização” do consumo responsável – que é abordada ironicamente neste vídeo da Campanha Switch da MTV – criada pela emissora para alertar seu público sobre o problema do aquecimento global.

O vídeo traz uma canção que fala sobre a gravidade da situação e o modo como as pessoas estão lidando com ela. Por meio da ironia, a mensagem que transmite é a de que nenhuma grande mudança está sendo promovida, tem-se apenas o “bombardeio” de discursos e produtos que se dizem ecologicamente corretos, mas que assim se mostram simplesmente por se apropriarem da palavra verde, atribuindo a ela um novo conceito. O “verde” é o elemento central para se compreender a intencionalidade do vídeo.

Mas o que é o “verde”? De acordo com a semiótica peirceana, a cor, sendo um signo, ou seja, aquilo que representa alguma coisa para alguém, pode ser apreendida pela consciência, para a formação do pensamento, de três modos (categorias) diferentes: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade.

A primeiridade, segundo Santaella (2007), se refere à impressão imediata constituída em nossa consciência, sendo, então, original e espontânea, liberta da necessidade de comparação, interpretação ou análise. Esta apreensão inicial da cor se limita meramente à sua qualidade (quali-signo). O verde que aparece no vídeo, quando apreendido ao nível da primeiridade, não estabelece, portanto, relação com nenhum objeto.

Já a secundidade está relacionada à existência, à corporificação material responsável pelas sensações inerentes ao processo de troca de estímulo e reação entre seres e objetos. Se a “qualidade da cor” – quali-signo - é algo totalmente abstrato, a sensação que um espaço todo verde nos transmite é uma secundidade.

Na análise em nível da terceridade, a cor verde é classificada como um legi-signo, correspondendo a uma lei que, por convenção, determina que aquele signo – a palavra ‘verde’ - represente seu objeto. Portanto o “verde”, presente no vídeo, faz referência à natureza, que, convencionalmente, é representada por essa cor.

Mas para compreender o verdadeiro sentido assumido pela palavra “verde” nesta mensagem publicitária, devemos nos aprofundar em uma análise semiológica, que, por sua vez, estuda a significação no seio da vida social. “Sendo a significação um acontecimento, sobretudo social, estudá-la como tal faz com que a semiologia, de algum modo, adquira certa função na sociedade” (SILVA, 2005). Deste modo, a análise dos signos na semiologia leva em conta questões de ordem social e histórica. E são essas que se encontram embutidas na significação da palavra “verde”, no contexto apresentado no vídeo.

Para apreender o novo conceito atribuído ao termo “verde” – aquele que tratamos no início do texto, que se refere à apropriação da palavra para denominar um suposto “consumo responsável” - é preciso ter conhecimento do contexto, que envolve, neste caso, o aquecimento global e a postura adotada pelas pessoas – empresas, políticos, celebridades... – diante do problema.

A atribuição deste novo sentido à palavra pode ser explicada pelo fato de que, segundo Barthes (1985, p.97), “os significados comunicam-se estreitamente com a cultura, o saber, a História; é por eles que, por assim dizer, o mundo penetra o sistema”.

A interferência cultural na interpretação dos signos também é definitiva para a interpretação da mensagem final do vídeo: “Você não precisa ser ‘verde’ para ser ‘verde’”. Neste caso, tem-se dois significados, que, por influência da cultura e do contexto, são atribuídos a uma mesma palavra. A conceituação dada à palavra ‘verde’ no início da frase diz respeito àquela que definimos no começo do texto – e no parágrafo acima. Já a segunda utilização se refere a uma consciência ambiental de fato, que não precisa do adjetivo “verde” para existir. Segundo Barthes (1985, p. 50), “os significados implicam, por parte dos consumidores de sistemas – os leitores -, diferentes saberes (segundo as diferenças de “cultura”), o que explica que uma mesma lexia possa ser diferentemente decifrada segundo os indivíduos, sem deixar de pertencer a certa língua. Vários corpos de significados podem coexistir num mesmo indivíduo determinando, em cada um, leituras mais ou menos “profundas."

assista o vídeo em: http://www.youtube.com/watch?v=Bg0QminAPMM

The Green Song (Tradução)

O meio ambiente está morrendo
Precisamos de uma solução rápida
Se não inventarmos um grande plano
Ele simplesmente não durará
Nós não queremos assustar ninguém
Nós não queremos fazer uma “cena”
Nós preferiríamos varrer para debaixo do tapete
Mas em vez disso vamos pintar de verde

Verde, verde, verde
Vamos pintar de verde

Não importa na verdade o que é
Ou o que faz, ou porque dói
E o que significa, contanto que seja verde
Não importa na verdade o que ele queima
E o que ele faz, e o que ele mata
Contanto que seja verde

Verde, verde, verde
Vamos fazer isso verde

Políticos nos embalam com projeções
Celebridades são as mesmas
Só importa o quanto são verdes
E quem merece ser culpado
O quanto verde você é, e não quanto você doa
O quão amado você é, é como você vive
Você conhece o verde então pense nisso
Porque você não precisa ser “verde” para ser “verde”



Referências

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 1985.

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2002.
Revista Veja, veiculada em 26 de maio de 2007

Artigo: SILVA, Marcio Renato Pinheiro da. Lição crítica: Roland Barthes e a semiologia do impasse. Rio de Janeiro: Alea, vol. 7, 2005.
(retirado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-106X2005000100005&script=sci_arttext)

Site: http://www.faac.unesp.br/eventos/jornada2005/trabalhos/15_francisco_machado.htm

domingo, 9 de novembro de 2008

Pão, gergelim e semiótica


Talvez seja difícil encontrar alguém que ainda não conheça a frase “uma imagem vale mais que mil palavras”. E apesar das divergências quanto a essa afirmação, é fato que determinadas imagens, produzidas ou não, podem causar impacto maior que um texto de mil palavras (ou mais). É importante esclarecer que esta discussão não objetiva atribuir um valor superior ou inferior a nenhuma dessas duas formas de expressão mencionadas, já que cada indivíduo tem preferências por texto ou imagem, e dependendo das situações, a união desses dois elementos é fundamental para a compreensão da mensagem que um anunciante, por exemplo, deseja transmitir.

O presente estudo coloca em questão a especificidade da imagem publicitária em relação a outros tipos de imagem. Como foco desta análise, foi escolhida a imagem de uma das campanhas da rede de fast-foods “McDonald’s”. Neste caso, a Semiótica funciona como instrumento para a percepção dos elementos presentes nessa imagem, utilizados para induzir o observador ao consumo. O nome semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. “A Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido." (SANTAELLA, 1983, p.13)

A empresa americana McDonald’s, considerada por muitos como um símbolo do “capitalismo selvagem”; por outros, um típico enlatado americano, também é constantemente apontada como responsável por deixar a população menos saudável e mais “gordinha”. Mesmo assim, continua investindo pesado em campanhas publicitárias de forte apelo visual, o que poderia explicar grande parte do sucesso de vendas. Com a imagem de um bebê recém-nascido sendo amamentado, o pão com gergelim, que representa a característica principal e peculiar dos lanches McDonald’s, imita o seio da mãe. Tendo em vista que a empresa é alvo de críticas ferrenhas por promover hábitos alimentares não-saudáveis, a imagem produzida é bastante ousada.

Além disso, é importante atentar para a expressão do bebê, com semblante tranqüilo, parece não notar a diferença entre o seio e o pão. As cores fortes, principalmente das bochechas, levemente rosadas e vermelhas, aproximam-se dos tons das cores quentes presentes no próprio símbolo do McDonald’s, bem como de várias outras marcas de alimentos. Basta observar as praças de alimentação dos shoppings, onde predomina a combinação de cores fortes como a vermelha e a amarela. Mas neste caso, o aroma também ajuda a chamar a atenção e a despertar a fome de quem estiver passando por ali.

Texto: Juliana Jovanelli

Referência:
SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

Imagem disponível em “Google Imagens”

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ressignificações semióticas na avifauna



No enfado dos compromissos cotidianos, poucas pessoas se ateriam a ouvir ou “rastrear com o olhar” a profusa diversidade de pássaros em território urbano. Ouvi-los ou olhá-los implica pausas na faina diária incluindo afeição a essas criaturas. Mas há, pronunciadamente, denotada significação1 na presença passeriforme da cidade.
Semelhante à música, que sem a musicalidade não expressa a intenção do compositor de construir por meio do som uma “geografia” na mente do ouvinte, os sons da avifauna decrescem no rush cotidiano caracterizando uma original entropia semiótica2. Um cantor pop não arranjaria seu repertório numa guarânia, nem um violeiro expressaria sua ruralidade em riffs de rock. E desse predicado há na Criação. Naturalmente, faz parte do “arranjo” do pássaro o bioma em que vive, por seus meandros, composição e ressonâncias. E nós podemos culturalizar3 combinações harmônicas, como em qualquer latitude se harmoniza o grasnar da gaivota à arrebentação de ondas do mar. Não é usual numa metrópole ouvir pássaros no depoimento tácito que segue a sonoridade dos trinados – a significação do canto passeriforme da cidade: o habitat natural da avifauna está sendo ocupado, e decorre-se daí a migração espontânea a outras paragens, na contínua obediência de cumprir o instinto da perpetuação. Em ver passarinhos num festejo resignado se constata: um som pode dissimular um silêncio.
Pela localização, no campus da UEL, universidade em que estudo, povoa uma polifonia multiforme de vozes de aves, corporificando um fugaz calendário natural. Surpreende, porém, numa apreensão análoga à de ouvir em solo de piano “o milionário”, de Os Incríveis. Mas, particularmente, ouvir pássaros em área urbana traz reminiscências de fragmentos rurais.
Assim, o sabiá relembra ribeiros e copada de árvores em que evolui sua melodia. O tiziu lembra seus pousos efêmeros nos algodoeiros, trazendo à recordação a lida na roça. O crocito e as revoadas do carcará traduzem iminência, inquietando a passarada. O chupim simboliza em seus trilos a argúcia, com sua fêmea a botar ovos em ninho alheio. Cada espécie que adota a cidade revela o estreitamento do seu habitat, solicitando uma necessária abordagem etnoornitológica4 compreensiva.
O canto dos pássaros é multirrelacional e atina sentidos. Representaria na cidade um repertório diferente de significações. O canto e o comportamento da avifauna prenunciam acasalamento, época de frutas, estações e orientação pluvial prevalecente. Remetem ao amanhecer do campo, ao silêncio de estradas rurais, à infância e as lendas e crendices. Lembram fatos e histórias. São uma construção de significados e em um mínimo que seja corroboram nossa percepção.

Texto e Imagem: Osias Sampaio

Referências:

1, 2 NETTO, J. Teixeira Coelho. Semiótica, Informação e Comunicação.
São Paulo, Editora Perspectiva, 1980.

3 Conceitos Centrais, Cultura.
Disponível em http://www.pucsp.br/pos/cos/cultura/conceito.htm.
Acessado em 6 de novembro de 2008.

4 FARIAS, Gilmar Bezerra de; ALVES, Ângelo Giuseppe Chaves. Aspectos Históricos e Conceituais da Etnoornitologia.
Disponível em http://www.biotemas.ufsc.br/pdf/volume201/p91a100.pdf.
Acessado em 6 de novembro de 2008.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O erotismo semiótico



“Confira a poupança onde Calheiros fazia as aplicações”. Uma simples frase associada a uma fotografia estampada em um outdoor demonstra uma pluralidade de significados e significantes; todos relativos à bagagem cultural, experimental e informacional de quem se depara com a mensagem – tanto textual como visual – da peça publicitária.

A análise presente se baseia na Semiótica, que, segundo Santaella (2002, p.13), “tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e sentido”. Assim, tanto a frase escrita e a fotografia se portam como signos, uma vez que “um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente” (SANTAELLA, 2002, p. 58).

É interessante entender que um signo não é somente falado e ouvido, podendo ser apenas visualizado. Santaella (1995, p. 11) afirma que “[...] é enorme a profusão de signos distintos dos verbais. Cada um deles só será compreendido se for respeitado na sua diferença”.

A descrição do outdoor publicitário específico se baseia em uma fotografia de uma figura feminina, aparentemente nua, sentada sobre uma cadeira virada, localizada à esquerda da cena. Em contraponto, do lado direito, há a frase citada. Um pouco abaixo aparece o nome da garota. E somente no canto direito inferior é possível ver o logotipo do anunciante e a data do produto. Tudo é bem destacado, uma vez que o fundo de cor preta atrai a atenção do público aos objetos descritos.

A mulher, com suas expressões e posicionamento, concede um sentido erótico ao outdoor e age justamente para oferecer o produto – uma revista masculina. Este signo incide na consciência primeira e segunda, uma vez que estimula instintos (primeiridade) e esboça reações (secundidade). Apesar de agir diferentemente de acordo com o sexo do receptor, a maior discrepância de significados remete à bagagem informativa. A mulher em questão é Mônica Veloso, que desencadeou uma crise sem precedentes na história política brasileira. O conhecimento ou não do caso inicia o processo de desvelamento da propaganda.

A imagem é um dos principais pontos desta mensagem publicitária. Segundo Barthes (1990, p.28) “[...] se a imagem contém signos, teremos certeza que, em publicidade, esses signos são plenos, formados com vistas a uma melhor leitura: a mensagem publicitária é franca, ou pelo menos, enfática”.

Porém, é a associação entre imagem e texto que completa o sentido. A presença do slogan-legenda é uma mensagem lingüística, que serve para fixar o significado anteriormente reproduzido e, mais do que isso, ter a certeza de que o leitor conseguiu obter a significação pretendida. A palavra “ajuda a identificar pura e simplesmente os elementos da cena e da própria cena: trata-se de uma descrição denotada da imagem” (BARTHES, 1990, p. 32). E neste caso não é diferente.

Uma reportagem da revista “Veja”, veiculada em 26 de maio de 2007, revelou que o presidente do Senado, Renan Calheiros, recebia recursos da empreiteira Mendes Júnior, por meio de um lobista, para pagar pensão à jornalista Mônica Veloso, com quem teria uma filha fora do casamento. O caso se desenrolou por meses, nos quais novas denúncias acabaram surgindo contra o senador.

Uma história a parte passou a ser vivida pela jornalista Mônica Veloso, que passou a ser considerada uma celebridade, dar entrevistas em programas de fofocas e culminou com a assinatura de um contrato para posar nua. É exatamente o outdoor publicitário desta publicação que está sob análise.

Após o público ser afetado pela montagem da peça – incluindo a garota e a estética da cena – em seus instintos, acontece um maior ou menor grau de erotismo dependendo do conhecimento do receptor. É a ação no terceiro nível da consciência, baseada na interpretação e na inteligibilidade (terceiridade). O público que souber quem é Mônica Veloso e entender a frase “Confira a poupança onde Calheiros fazia as aplicações” (frase inclusive repleta de duplo sentido, uma vez que “poupança” e “aplicações” podem ter sentidos econômicos ou sexuais) se interessará mais pela revista.

Quem acompanhou o caso pela imprensa e encontrou frequentemente Mônica Veloso, toda formal, envolvida em uma crise política, entenderá a potencialidade erótica que sua aparição em uma revista masculina pode causar. É um claro exemplo da publicidade utilizando do erotismo e, deste último utilizando a interpretação do público para se otimizar.

A análise por meio da semiótica constitui um importante instrumento para que qualquer processo comunicativo seja revelado. Quando este meio é a publicidade, baseado principalmente na persuasão, esta análise se torna ainda mais importante por mostrar ao público ao que ele está exposto de modo muitas vezes inconsciente. É possível perceber que mesmo o erotismo, que parece ser um instinto natural, pode ser trabalhado e atingir em maior ou menor grau de acordo com a bagagem cultural e informacional do receptor e as conseqüentes inserções em seus níveis da consciência.

Texto: Vitor Oshiro

Referências

BARTHES, Roland – O óbvio e o obtuso: ensaios críticos. Tradução de Léa Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos: Semiose e Autogeração. São Paulo: Ática, 1995.

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2002.
Revista Veja, veiculada em 26 de maio de 2007

Site http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u327862.shtml acessado no dia 01 de novembro de 2008

Site http://desenblogue.com acessado no dia 01 de novembro de 2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Na Câmara de Barthes


O que atrai a sua atenção em uma imagem? O que torna uma fotografia tão especial? O que nos encanta, a fotografia em si ou o que nela é reproduzido? Assim como olhar para um reflexo, a atenção é dirigida ao que ele reproduz, e não ao objeto que está reproduzindo.

Em “A câmara clara”, de Roland Barthes, o autor conta como começou seu interesse pelo objeto fotografia, e não necessariamente para as imagens. Mas a dificuldade estava exatamente por ele trazer consigo o seu referente. Apontamos uma foto e dizemos: “olhe, este é meu irmão”.De início, Barthes estabelece o tempo. “O que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez”, e nunca se repetirá. Particular absoluto, contingência soberana, ocasião, encontro, real, são expressões utilizadas para nomear esta característica.

A fatalidade que implica a fotografia ser “invisível”- então precisa ter alguém ou alguma coisa -, somada ao seu particular absoluto fazem com o autor chegue a uma pergunta. “Por que escolher (fotografar) tal objeto, tal instante, em vez de tal outro?”

Partindo da vontade de escrever sobre este assunto, Barthes resolveu fugir ao convencional da época – o livro data de 1979, publicado no ano posterior -, dividido entre técnicos e históricos ou sociológicos. Exatamente por isto, conta o autor, “eu me encontrava num impasse, e se me cabe dizer, ‘cientificamente’ sozinho e desarmado”.

Resistindo aos sistemas redutores, Barthes tornou-se o sistema redutor de sua obra, e assim começou caminhar. Quem opera (operator), é o fotógrafo. Todos somos expectadores (spectator) enquanto público. Os alvos, o objeto fotografado, o espectro (spectrum). Esta última palavra, lembra, também traz relação com espetáculo e “com o retorno do morto”.

Barthes conheceu apenas os últimos papéis, não tendo paciência para esperar para ver o resultado daquilo que fotografou – naquela época em que o mais imediato e, para ele, decepcionante, era Polaroid.

Como spectrum, no entanto, lembra do momento em que, ao ser fotografado, “tudo muda: ponho-me a ‘posar’, fabrico-me instantaneamente um corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem”. Neste momento, passa-se de sujeito a objeto.

Observando que não consegue gostar de todas as fotos de um mesmo fotógrafo, Barthes identifica os momentos em que uma foto o “anima”, como uma aventura. O primeiro, é o studium – ligado a estudo, cultura, gosto. O outro, o punctum, está relacionado aos pontos sensíveis, “é esse acaso que, nela [fotografia], me punge (mas também me mortificam me fere).” A união leva ao afeto, e este ativa o olhar àquelas fotografias preferidas.

Em sua primeira referência à semiologia nesta última obra, o autor coloca que ela está limitada ao desempenho de alguns retratistas e que nas “boas” fotos resta pensar – “mesmo isso corre o risco de ser sentido como perigoso”. E, acrescenta, subversiva não é “quando [a fotografia] perturba, aterroriza ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa.”

“A Câmara Clara” é um livro muito pessoal, mais ainda no trecho em que o autor dedica às impressões sobre a única fotografia de sua mãe, já morta, em que Barthes encontra a verdade, e não apenas a identidade dela. A fotografia da mãe criança, não é apresentada como outras citadas no livro, porque esta só tinha sentido para ele.

Nos últimos capítulos, ou dias – há quem acredite que os 48 capítulos foram escritos um a cada dia em forma de diário – Barthes revela os laços entre a fotografia e a loucura. A ligação que inicialmente acreditava ser por paixão a certas fotografias - “o sofrimento do amor”-, depois é reconhecida como piedade causada pelo punctum.Também há a transformação da fotografia em sensata. É o caso da domesticação – da qual o cinema faz parte, critica Barthes – e o da generalização.

E assim, sensata ou louca se dá a fotografia. Barthes possivelmente escolheu aquela que o pungia. E você, qual escolhe?


Poliana Lisboa
fonte bibliográfica:

Barthes, Roland. A câmara clara – Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro, RJ: Editora Nova Fronteira, 2ª edição, 1984.


crédito da foto1: imirante.globo.com

crédito da foto2:engl3890.blogspot.com

O símbolo e o sapato

Semiótica é a ciência geral dos signos. Os estudos de significação vêm desde a Grécia antiga, no entanto somente no séc XX é que começou a ser visto como ciência, com Ferdinand de Saussure e C. S. Peirce. A semiótica é aplicada em qualquer objeto sígnico: música, fotografia, roupas, cinema, romance...
Para pierce há três tipos de signos : o ícone, que representa o objeto, EX: fotografia; o índice é por meio dele que tiramos conclusões, EX: fumaça/fogo; símbolo, estabelece de formaarbitrária a relação entre o objeto e o signo, EX: a palavra cadeira. “Os signos são divisíveis conforme três tricotomias; a primeira, conforme o signo em si mesmo for uma mera qualidade, um existente concreto ou uma lei geral; a segunda, conforme a relação do signo para com seu objeto consistir no fato de o signo ter algum caráter em si mesmo, ou manter alguma relação existencial com esse objeto ou em relação com um interpretante; a terceira, conforme seu interpretante representá-lo como um signo de possibilidade ou como um signo de fato ou como um signo de razão.”
como prova de que a semiótica se aplica a qualquer coisa, fica como análise um episódio do seriado Sex and the City, intitulado de “O direito das mulheres de comprar sapatos” (6º temporada). Neste episódio a heroína da série Carrie Bradshaw, é convidada para uma festa do nascimento de um filho de uma antiga colega, Kyra, uma fotógrafa de sucesso que largou a vida badalada para se tornar mãe de três crianças.
Ao chegar à festa Carrie é obrigada a retirar os seus sapatos, que ela prefere chamar de “Manolo’s” (por causa da marca). Ao fim da festa seus sapatos foram roubados. A tristeza de Carrie a leva procurar Kyra, para saber se foram achados, a dona da casa se oferece para pagar e ao ouvir o valor 485 dólares, se recusa, Carrie fica muito embaraçada, e a “colega” diz que pagará metade, pois não é dever dela pagar pelas extravagâncias de Carrie, esta rebate “não foi minha escolha tirar os sapatos”.
Bradshaw começa a se questionar se é errado ter sapatos em vez de filhos, e faz as contas do quanto já gastou presenteando as escolhas de Kyra (noivado, casamento e presentes pra três crianças), e resolve tomar uma decisão: pega o telefone e deixa um recado: “Oi aqui é Carrie Bradshaw, queria dizer que estou me casando.... comigo mesma! A lista de presente está na Manolo Blahnik!” ao desligar o telefone a heroína comenta “ um pequeno gesto em nome das mulheres solteiras”.
Aqui o sapato não é apenas uma parte do vestuário, mas sim representa uma mulher que faz escolhas, independente e que não se deixa abater por nada. Carrie toma uma decisão em nome de muitas, ter sapatos não é um pecado, e ela exerce o seu direito de reaver o que lhe foi roubado.
Frase do episódio: “às vezes é difícil ser uma mulher solteira, por isso é preciso sapatos especiais, para tornar nossa caminhada um pouco mais divertida”. Carrie Bradshaw.
texto: Karina Rocha