quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Pensando o "verde"

Análise do vídeo "The Green Song" da campanha MTV Switch
vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Bg0QminAPMM

Natália Rodrigues

Na efervescência das discussões sobre o aquecimento global, expressões como “pensar verde”, “respeito ao verde”, “preservação do verde”, se tornaram quase obrigatórias para se promover uma dita consciência ambiental. Aliás, neste cenário apocalíptico de mudanças catastróficas, o verde é o novo preto. Ser “verde” está na moda. E é esta apropriação da palavra como um adjetivo que supostamente traz embutido todos os valores de consciência e preservação ambiental – mas que na verdade tem funcionado como um meio de “marketização” do consumo responsável – que é abordada ironicamente neste vídeo da Campanha Switch da MTV – criada pela emissora para alertar seu público sobre o problema do aquecimento global.

O vídeo traz uma canção que fala sobre a gravidade da situação e o modo como as pessoas estão lidando com ela. Por meio da ironia, a mensagem que transmite é a de que nenhuma grande mudança está sendo promovida, tem-se apenas o “bombardeio” de discursos e produtos que se dizem ecologicamente corretos, mas que assim se mostram simplesmente por se apropriarem da palavra verde, atribuindo a ela um novo conceito. O “verde” é o elemento central para se compreender a intencionalidade do vídeo.

Mas o que é o “verde”? De acordo com a semiótica peirceana, a cor, sendo um signo, ou seja, aquilo que representa alguma coisa para alguém, pode ser apreendida pela consciência, para a formação do pensamento, de três modos (categorias) diferentes: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade.

A primeiridade, segundo Santaella (2007), se refere à impressão imediata constituída em nossa consciência, sendo, então, original e espontânea, liberta da necessidade de comparação, interpretação ou análise. Esta apreensão inicial da cor se limita meramente à sua qualidade (quali-signo). O verde que aparece no vídeo, quando apreendido ao nível da primeiridade, não estabelece, portanto, relação com nenhum objeto.

Já a secundidade está relacionada à existência, à corporificação material responsável pelas sensações inerentes ao processo de troca de estímulo e reação entre seres e objetos. Se a “qualidade da cor” – quali-signo - é algo totalmente abstrato, a sensação que um espaço todo verde nos transmite é uma secundidade.

Na análise em nível da terceridade, a cor verde é classificada como um legi-signo, correspondendo a uma lei que, por convenção, determina que aquele signo – a palavra ‘verde’ - represente seu objeto. Portanto o “verde”, presente no vídeo, faz referência à natureza, que, convencionalmente, é representada por essa cor.

Mas para compreender o verdadeiro sentido assumido pela palavra “verde” nesta mensagem publicitária, devemos nos aprofundar em uma análise semiológica, que, por sua vez, estuda a significação no seio da vida social. “Sendo a significação um acontecimento, sobretudo social, estudá-la como tal faz com que a semiologia, de algum modo, adquira certa função na sociedade” (SILVA, 2005). Deste modo, a análise dos signos na semiologia leva em conta questões de ordem social e histórica. E são essas que se encontram embutidas na significação da palavra “verde”, no contexto apresentado no vídeo.

Para apreender o novo conceito atribuído ao termo “verde” – aquele que tratamos no início do texto, que se refere à apropriação da palavra para denominar um suposto “consumo responsável” - é preciso ter conhecimento do contexto, que envolve, neste caso, o aquecimento global e a postura adotada pelas pessoas – empresas, políticos, celebridades... – diante do problema.

A atribuição deste novo sentido à palavra pode ser explicada pelo fato de que, segundo Barthes (1985, p.97), “os significados comunicam-se estreitamente com a cultura, o saber, a História; é por eles que, por assim dizer, o mundo penetra o sistema”.

A interferência cultural na interpretação dos signos também é definitiva para a interpretação da mensagem final do vídeo: “Você não precisa ser ‘verde’ para ser ‘verde’”. Neste caso, tem-se dois significados, que, por influência da cultura e do contexto, são atribuídos a uma mesma palavra. A conceituação dada à palavra ‘verde’ no início da frase diz respeito àquela que definimos no começo do texto – e no parágrafo acima. Já a segunda utilização se refere a uma consciência ambiental de fato, que não precisa do adjetivo “verde” para existir. Segundo Barthes (1985, p. 50), “os significados implicam, por parte dos consumidores de sistemas – os leitores -, diferentes saberes (segundo as diferenças de “cultura”), o que explica que uma mesma lexia possa ser diferentemente decifrada segundo os indivíduos, sem deixar de pertencer a certa língua. Vários corpos de significados podem coexistir num mesmo indivíduo determinando, em cada um, leituras mais ou menos “profundas."

assista o vídeo em: http://www.youtube.com/watch?v=Bg0QminAPMM

The Green Song (Tradução)

O meio ambiente está morrendo
Precisamos de uma solução rápida
Se não inventarmos um grande plano
Ele simplesmente não durará
Nós não queremos assustar ninguém
Nós não queremos fazer uma “cena”
Nós preferiríamos varrer para debaixo do tapete
Mas em vez disso vamos pintar de verde

Verde, verde, verde
Vamos pintar de verde

Não importa na verdade o que é
Ou o que faz, ou porque dói
E o que significa, contanto que seja verde
Não importa na verdade o que ele queima
E o que ele faz, e o que ele mata
Contanto que seja verde

Verde, verde, verde
Vamos fazer isso verde

Políticos nos embalam com projeções
Celebridades são as mesmas
Só importa o quanto são verdes
E quem merece ser culpado
O quanto verde você é, e não quanto você doa
O quão amado você é, é como você vive
Você conhece o verde então pense nisso
Porque você não precisa ser “verde” para ser “verde”



Referências

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 1985.

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2002.
Revista Veja, veiculada em 26 de maio de 2007

Artigo: SILVA, Marcio Renato Pinheiro da. Lição crítica: Roland Barthes e a semiologia do impasse. Rio de Janeiro: Alea, vol. 7, 2005.
(retirado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-106X2005000100005&script=sci_arttext)

Site: http://www.faac.unesp.br/eventos/jornada2005/trabalhos/15_francisco_machado.htm

Um comentário:

Dirce disse...

Natália
Um dos objetivos da disciplina era demonstrar como podemos aplicar o estudo dos signos em análises de temas contemporâneos e atuais permitindo ao jornalista refletir sobre suas práticas cotidianas.
Seu trabalho demonstra isso.
Parabéns
Dirce