quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O erotismo semiótico



“Confira a poupança onde Calheiros fazia as aplicações”. Uma simples frase associada a uma fotografia estampada em um outdoor demonstra uma pluralidade de significados e significantes; todos relativos à bagagem cultural, experimental e informacional de quem se depara com a mensagem – tanto textual como visual – da peça publicitária.

A análise presente se baseia na Semiótica, que, segundo Santaella (2002, p.13), “tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e sentido”. Assim, tanto a frase escrita e a fotografia se portam como signos, uma vez que “um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente” (SANTAELLA, 2002, p. 58).

É interessante entender que um signo não é somente falado e ouvido, podendo ser apenas visualizado. Santaella (1995, p. 11) afirma que “[...] é enorme a profusão de signos distintos dos verbais. Cada um deles só será compreendido se for respeitado na sua diferença”.

A descrição do outdoor publicitário específico se baseia em uma fotografia de uma figura feminina, aparentemente nua, sentada sobre uma cadeira virada, localizada à esquerda da cena. Em contraponto, do lado direito, há a frase citada. Um pouco abaixo aparece o nome da garota. E somente no canto direito inferior é possível ver o logotipo do anunciante e a data do produto. Tudo é bem destacado, uma vez que o fundo de cor preta atrai a atenção do público aos objetos descritos.

A mulher, com suas expressões e posicionamento, concede um sentido erótico ao outdoor e age justamente para oferecer o produto – uma revista masculina. Este signo incide na consciência primeira e segunda, uma vez que estimula instintos (primeiridade) e esboça reações (secundidade). Apesar de agir diferentemente de acordo com o sexo do receptor, a maior discrepância de significados remete à bagagem informativa. A mulher em questão é Mônica Veloso, que desencadeou uma crise sem precedentes na história política brasileira. O conhecimento ou não do caso inicia o processo de desvelamento da propaganda.

A imagem é um dos principais pontos desta mensagem publicitária. Segundo Barthes (1990, p.28) “[...] se a imagem contém signos, teremos certeza que, em publicidade, esses signos são plenos, formados com vistas a uma melhor leitura: a mensagem publicitária é franca, ou pelo menos, enfática”.

Porém, é a associação entre imagem e texto que completa o sentido. A presença do slogan-legenda é uma mensagem lingüística, que serve para fixar o significado anteriormente reproduzido e, mais do que isso, ter a certeza de que o leitor conseguiu obter a significação pretendida. A palavra “ajuda a identificar pura e simplesmente os elementos da cena e da própria cena: trata-se de uma descrição denotada da imagem” (BARTHES, 1990, p. 32). E neste caso não é diferente.

Uma reportagem da revista “Veja”, veiculada em 26 de maio de 2007, revelou que o presidente do Senado, Renan Calheiros, recebia recursos da empreiteira Mendes Júnior, por meio de um lobista, para pagar pensão à jornalista Mônica Veloso, com quem teria uma filha fora do casamento. O caso se desenrolou por meses, nos quais novas denúncias acabaram surgindo contra o senador.

Uma história a parte passou a ser vivida pela jornalista Mônica Veloso, que passou a ser considerada uma celebridade, dar entrevistas em programas de fofocas e culminou com a assinatura de um contrato para posar nua. É exatamente o outdoor publicitário desta publicação que está sob análise.

Após o público ser afetado pela montagem da peça – incluindo a garota e a estética da cena – em seus instintos, acontece um maior ou menor grau de erotismo dependendo do conhecimento do receptor. É a ação no terceiro nível da consciência, baseada na interpretação e na inteligibilidade (terceiridade). O público que souber quem é Mônica Veloso e entender a frase “Confira a poupança onde Calheiros fazia as aplicações” (frase inclusive repleta de duplo sentido, uma vez que “poupança” e “aplicações” podem ter sentidos econômicos ou sexuais) se interessará mais pela revista.

Quem acompanhou o caso pela imprensa e encontrou frequentemente Mônica Veloso, toda formal, envolvida em uma crise política, entenderá a potencialidade erótica que sua aparição em uma revista masculina pode causar. É um claro exemplo da publicidade utilizando do erotismo e, deste último utilizando a interpretação do público para se otimizar.

A análise por meio da semiótica constitui um importante instrumento para que qualquer processo comunicativo seja revelado. Quando este meio é a publicidade, baseado principalmente na persuasão, esta análise se torna ainda mais importante por mostrar ao público ao que ele está exposto de modo muitas vezes inconsciente. É possível perceber que mesmo o erotismo, que parece ser um instinto natural, pode ser trabalhado e atingir em maior ou menor grau de acordo com a bagagem cultural e informacional do receptor e as conseqüentes inserções em seus níveis da consciência.

Texto: Vitor Oshiro

Referências

BARTHES, Roland – O óbvio e o obtuso: ensaios críticos. Tradução de Léa Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos: Semiose e Autogeração. São Paulo: Ática, 1995.

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2002.
Revista Veja, veiculada em 26 de maio de 2007

Site http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u327862.shtml acessado no dia 01 de novembro de 2008

Site http://desenblogue.com acessado no dia 01 de novembro de 2008

Um comentário:

Dirce disse...

Vitor
A análise feita vai além do discurso publicitário puro e simples (ou nem tão simples assim...) mas demonstra ideologicamente o reflexo da corrupção política que corre solta neste país.
Ótimo trabalho.
Dirce