quinta-feira, 20 de novembro de 2008


Você já parou para analisar um rótulo? Se a resposta for “não”, talvez seja a hora de pensar outra vez. Uma imagem, uma combinação de cores, o simples desenho de uma letra... tudo é comunicação. E, acredite, mesmo que você nunca tenha se debruçado sobre uma logomarca, os sentidos que ela tenta passar já foram absorvidos – e você nem percebeu! Isso porque, como explica Santaella (2004, p.10), “[..] imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes [...], objetos, sons musicais, gestos, expressões, cheiro, tato [...]” são formas de linguagem e, por isso, produzem sentidos.
A Semiótica é a ciência voltada para os estudos da linguagem – entendam-se aí todas as formas possíveis. Sim, pois sempre que estamos representando alguma coisa, colocando algo no lugar de algo, estamos falando de signos – e falar de signos é falar de Semiótica. E o que tudo isso tem a ver com o Guaraná Antarctica? Muito mais do que você imagina...
Tomemos, por exemplo, o formato das letras da marca. De acordo com Alves (1982, p.291), a escrita “[...] apresenta-se como um sistema de signos que traduz para um nível visual (representação gráfica) o desempenho oral do código verbal. [...] É a representação de uma representação. Signo de um signo”. Então se o desenho de uma letra é um signo, isso quer dizer que ele, por si só, já é capaz de comunicar. E não pense que isso passa despercebido, não. A tipografia, ciência que estuda os atributos visuais da linguagem escrita, tem exatamente como função transmitir a mensagem “[...] do modo mais eficaz possível, gerando no leitor destinatário significações pretendidas pelo destinador”. (NIEMEYER, 2003, p.12).
Os tipos utilizados para escrever a palavra Guaraná são do grupo Manuscrito, ou seja, eles imitam a escrita cursiva. Quando vemos esse tipo de letra, a idéia que temos (mesmo que inconsciente) é de personificação – até parece que foi escrito só para gente, ali, à mão. Além disso, o formato mais arredondado, o equilíbrio entre as curvas e a leveza dos traços remete ao feminino. O Guaraná é quase uma moça delicada, pisando na ponta dos pés, toda graça, deslizando de uma ponta à outra da garrafa.
O ANTARCTICA, por sua vez, com seus tipos sem serifa da família Etrusca, faz um contraponto ao movimento do manuscrito. As letras em caixa alta conferem destaque e o contraste entre as hastes, credibilidade. Apesar de serem mais simples e sérios, os tipos mantêm a elegância, sustentando a feminilidade. O mesmo se estende ao slogan O ORIGINAL DO BRASIL, que conserva o desenho de cima e reitera a questão da simplicidade, mas com impacto - repare que é a única frase vazada em branco na cor vermelha. E cor faz diferença? Se faz!
Segundo Farina (2006, p.13), a cor, enquanto comunicação visual “[...] exerce uma ação tríplice: a de impressionar, a de expressar e a de construir. A cor é vista: impressiona a retina. E sentida: provoca uma emoção. E construtiva, pois, tendo significado próprio, tem valor de símbolo e capacidade, portanto, de construir uma linguagem própria que comunique uma idéia”. Assim como os tipos, as cores também necessitam de ferramentas e registros de transmissão, afinal, elas não são repassadas hereditariamente, mas por meio de regras convencionadas e arbitrariamente definidas. Então, encarando a estruturação comunicativa cromática como predominantemente invariável, analisemos as cores do Guaraná.
A cor vermelha, do tipo quente, confere proximidade, calor, estímulo, excitação. Remete à noções de alegria, energia, dinamismo, movimento. E, frequentemente, é associada aos lábios, à mulher, ao doce. Já o branco é mais “comportado” e por isso, de grande contraste com o vermelho. Ele desperta simplicidade, limpeza, sensação de bem estar, de estabilidade. O verde, por fim, sugere “umidade, calma, frescor, esperança, amizade e equilíbrio. Além de todas as conexões com a Ecologia e com a natureza”. (FARINA, 2006, p.101). E essa combinação toda vai dar o quê?
Charme e sensualidade. As letras essencialmente femininas se casam com o vermelho e balanceiam-se com o branco. O verde, enquanto cor predominante da embalagem do refrigerante sustenta a logomarca como se fosse a folhagem que circula a flor, a fruta, ou, no caso, o guaraná.
O que temos, então? Um marca extremamente feminina, de movimento, balanço, doçura, charme, leveza e frescor. E, tenha certeza, você já sabia disso antes mesmo de ler esse texto – até porque é exatamente essa função da publicidade: atrair, provocar sentidos, seduzir e, assim, vender.


Referências Bibliográficas

ALVES, Leange Severo. Estudo do código visual originado do código verbal na linguagem jornalística. Revista Semina, n.12, cap. 3, p. 291-296, 1982.

FARINA, Modesto. Psicodinâmica das cores em comunicação – 5ª. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2006.

NIEMEYER, Lucy. Tipografia: uma apresentação – 3ª. ed. Rio de Janeiro: 2AB, 2003.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2004.

Imagens
Google Imagens



Um comentário:

Dirce disse...

Juliana
Procurar novos sentidos para uma marca tão comum, conhecida e brasileira como o Guaraná Antártica reforça o processo de semiose que tanto estudamos: a geração infinita de signos.
Lembro de um amigo na Bélgica, 1975, ditadura militar, etc, etc. Ele era refugiado político e sua grande apreensão era talvez nunca mais tomar guaraná. Vale lembrar que ainda não era tempo de globalização.
Tudo o que está inscrito nesse nosso imaginário é traduzido por signos e mais signos.
Ötimo trabalho.
Dirce