segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Ciência dos Signos?




Por Bruna Komarchesqui

Escrevo esse texto para você, caro leitor, que se deliciou com todas as análises aqui postadas, mas que ainda tem uma duvidazinha chata rondando os pensamentos: “Tá, mas o que exatamente é semiótica?”. Segundo Santaella (2005, p.7): “O nome Semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos”. Aí você fica na dúvida: “Ué, signos? Aqueles do zodíaco? Então, a astrologia também é estudada nas universidades?”. E essa confusão é mais comum do que parece. Os signos estudados pela semiótica nada têm a ver com astrologia (se bem que uma relação entre eles não seria de tudo absurda). De maneira simplificada, no caso da semiótica, “[...] signo é algo que está por outra coisa”. (EPSTEIN, 1990, p.17). Ou ainda: signo é algo no lugar de algo.

Resolvida essa questão, surge uma outra: “Por que alguns autores falam em Semiologia e outros em Semiótica?”. Santaella (2005) explica que a diferença entre essas duas “ciências” não fica apenas no nível da terminologia. Deixando um pouco de lado os demais pontos de discordância e de concordância entre elas, vamos nos ater na diferença de abordagem que cada uma faz da questão do signo.

Umberto Eco, em seu “Tratado Geral de Semiótica” (2003), traz um panorama de como os signos são tratados pelas duas linhas, que têm como representantes/pioneiros Ferdinand Saussure (Semiologia) e Charles S. Peirce (Semiótica). A Semiologia saussureana seria, então, “[...] uma ciência que estuda os signos no quadro da vida social; ela poderia fazer parte da psicologia social, e, em conseqüência, da psicologia geral”. (ECO, 2003, p.9). Saussure define o signo como uma “entidade de dupla face”. Para ele, o signo é composto de “significante” (imagem acústica, mediador material do significado, elemento do signo que impressiona nossos sentidos) e “significado” (interpretação de um signo). Ou seja, a soma dos dois forma o signo. “Expressão e conteúdo, significante e significado são os correlatos da função sígnica na semiologia de raiz saussureana. O signo significa, isto é, aponta para fora de si (tomando-se aqui o signo como equivalente à sua expressão ou significante, para opô-lo ao conteúdo ou significado).” (EPSTEIN, 1990, p.21).

Já a semiótica peirceana entende o signo como “[...] qualquer coisa que está para alguém no lugar de algo sob determinados aspectos ou capacidades. [...] Um signo pode estar para algo aos olhos de alguém somente porque essa relação (estar-para) é mediada por um interpretante”. (ECO, 2003, p.10). Para Peirce, a relação do signo é sempre uma tríade (nunca uma dupla, como defendia Saussure). Um exemplo seria: um signo, seu objeto e o seu interpretante. Epstein (1990, p.48) explica que Peirce classifica os signos de acordo com sua função sígnica, dividindo-os em três tricotomias: a relação signo-meio, signo-objeto e signo-interpretante. Na relação signo-objeto, o signo pode ser um ícone (objeto possui certos traços em comum com o objeto referido, exemplo, uma fotografia), um índice (relação entre signo e objeto é direta, por exemplo, fumaça indicando fogo) ou um símbolo (relação signo-objeto independe de semelhança ou relações de causa entre eles, mas é definida por uma lei convencionada).

Para Eco (2003, p.11), uma das diferenças entre Semiologia e Semiótica é que a definição peirceana “[...] não requer como condição necessária para a definição do signo, que este seja emitido INTENCIONALMENTE e produzido ARTIFICIALMENTE”. Além disso, a tríade peirceana pode se aplicar a fenômenos que não tenham emitente humano, mas tenham destinatário humano, como no caso dos fenômenos meteorológicos, ou outros tipos de índice. Resumidamente, as semióticas (o termo pode ser usado tanto para designar Semiótica ou Semiologia) de Saussure e Peirce são “[...] teorias da relação ‘semiósica’ entre símbolo e referência (ou significado) e entre o signo e a série de seus interpretantes. Os objetos não são levados em consideração por Saussure e, no quadro teorético de Peirce, só entram quando se discutem tipos particulares de signos, como os índices e os ícones”. (ECO, 2003, p.51).

Entendidas algumas diferenças e semelhanças, voltemos ao início: como seria possível uma relação entre semiótica e astrologia? Roland Barthes, em seu livro “Mitologias”, faz uma análise da astrologia que, para ele, é um “sistema mítico”. “O mito é uma fala [...], um sistema de comunicação, é uma mensagem.” (BARTHES, 1993, p.131). Nesse sentido, Barthes considera a semiologia uma “ciência das formas” que estuda as significações independentemente dos conteúdos. Na perspectiva semiológica, então, os signos do zodíaco podem ser estudados enquanto signos com significante e significado. “O significado é o conceito, o significante é a imagem acústica (de ordem psíquica), e a relação entre o conceito e a imagem é o signo (a palavra, por exemplo)”. (BARTHES, 1993, p.135). Por meio da palavra escrita, os signos do zodíaco exercem sua significação. Muitas outras relações com a semiótica seriam possíveis, como um estudo dos símbolos que representam cada signo do zodíaco, de como a posição dos planetas interfere no “destino” das pessoas, etc.

Mas Barthes se concentra num ponto específico. Para ele, a astrologia (ele analisa o caso francês) não traz aberturas para o sonho, mas é mero espelho da realidade instituída. Ou seja, os astros (o horóscopo) nunca estimulam uma superação da ordem, mas respeitam os “estatutos sociais e os horários patronais”. Ao invés de predizer o futuro, os astros, na maioria das vezes, descrevem problemas e situações da vida cotidiana. A utilidade da astrologia, para Barthes, seria a mesma da Literatura: objetivar o real, sem chegar a desmistificá-lo, ou, em outras palavras, “exorcizar o real, nomeando-o”. (BARTHES, 1993, p.109).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.

ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003.

EPSTEIN, Isaac. O signo. São Paulo: Ática, 1990.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2005.

IMAGEM:
http://ela2.wordpress.com/2008/05/09/e-os-astros-contam/

Um comentário:

Dirce disse...

Bruna
Ótima idéia de esclarecer sobre os pontos de convergência e divergência entre semiologia e semiótica. Bom trabalho.
Dirce