sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ressignificações semióticas na avifauna



No enfado dos compromissos cotidianos, poucas pessoas se ateriam a ouvir ou “rastrear com o olhar” a profusa diversidade de pássaros em território urbano. Ouvi-los ou olhá-los implica pausas na faina diária incluindo afeição a essas criaturas. Mas há, pronunciadamente, denotada significação1 na presença passeriforme da cidade.
Semelhante à música, que sem a musicalidade não expressa a intenção do compositor de construir por meio do som uma “geografia” na mente do ouvinte, os sons da avifauna decrescem no rush cotidiano caracterizando uma original entropia semiótica2. Um cantor pop não arranjaria seu repertório numa guarânia, nem um violeiro expressaria sua ruralidade em riffs de rock. E desse predicado há na Criação. Naturalmente, faz parte do “arranjo” do pássaro o bioma em que vive, por seus meandros, composição e ressonâncias. E nós podemos culturalizar3 combinações harmônicas, como em qualquer latitude se harmoniza o grasnar da gaivota à arrebentação de ondas do mar. Não é usual numa metrópole ouvir pássaros no depoimento tácito que segue a sonoridade dos trinados – a significação do canto passeriforme da cidade: o habitat natural da avifauna está sendo ocupado, e decorre-se daí a migração espontânea a outras paragens, na contínua obediência de cumprir o instinto da perpetuação. Em ver passarinhos num festejo resignado se constata: um som pode dissimular um silêncio.
Pela localização, no campus da UEL, universidade em que estudo, povoa uma polifonia multiforme de vozes de aves, corporificando um fugaz calendário natural. Surpreende, porém, numa apreensão análoga à de ouvir em solo de piano “o milionário”, de Os Incríveis. Mas, particularmente, ouvir pássaros em área urbana traz reminiscências de fragmentos rurais.
Assim, o sabiá relembra ribeiros e copada de árvores em que evolui sua melodia. O tiziu lembra seus pousos efêmeros nos algodoeiros, trazendo à recordação a lida na roça. O crocito e as revoadas do carcará traduzem iminência, inquietando a passarada. O chupim simboliza em seus trilos a argúcia, com sua fêmea a botar ovos em ninho alheio. Cada espécie que adota a cidade revela o estreitamento do seu habitat, solicitando uma necessária abordagem etnoornitológica4 compreensiva.
O canto dos pássaros é multirrelacional e atina sentidos. Representaria na cidade um repertório diferente de significações. O canto e o comportamento da avifauna prenunciam acasalamento, época de frutas, estações e orientação pluvial prevalecente. Remetem ao amanhecer do campo, ao silêncio de estradas rurais, à infância e as lendas e crendices. Lembram fatos e histórias. São uma construção de significados e em um mínimo que seja corroboram nossa percepção.

Texto e Imagem: Osias Sampaio

Referências:

1, 2 NETTO, J. Teixeira Coelho. Semiótica, Informação e Comunicação.
São Paulo, Editora Perspectiva, 1980.

3 Conceitos Centrais, Cultura.
Disponível em http://www.pucsp.br/pos/cos/cultura/conceito.htm.
Acessado em 6 de novembro de 2008.

4 FARIAS, Gilmar Bezerra de; ALVES, Ângelo Giuseppe Chaves. Aspectos Históricos e Conceituais da Etnoornitologia.
Disponível em http://www.biotemas.ufsc.br/pdf/volume201/p91a100.pdf.
Acessado em 6 de novembro de 2008.

Um comentário:

Dirce disse...

Osias
Interessante a proposta de nos lembrar a escuta cuidadosa de sons da natureza que perdemos no corre corre do dia a dia.
Você pode explorar mais os significados desse contato com a natureza para o homem urbano contemporâneo.
Dirce