
Em “A câmara clara”, de Roland Barthes, o autor conta como começou seu interesse pelo objeto fotografia, e não necessariamente para as imagens. Mas a dificuldade estava exatamente por ele trazer consigo o seu referente. Apontamos uma foto e dizemos: “olhe, este é meu irmão”.De início, Barthes estabelece o tempo. “O que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez”, e nunca se repetirá. Particular absoluto, contingência soberana, ocasião, encontro, real, são expressões utilizadas para nomear esta característica.
A fatalidade que implica a fotografia ser “invisível”- então precisa ter alguém ou alguma coisa -, somada ao seu particular absoluto fazem com o autor chegue a uma pergunta. “Por que escolher (fotografar) tal objeto, tal instante, em vez de tal outro?”
Partindo da vontade de escrever sobre este assunto, Barthes resolveu fugir ao convencional da época – o livro data de 1979, publicado no ano posterior -, dividido entre técnicos e históricos ou sociológicos. Exatamente por isto, conta o autor, “eu me encontrava num impasse, e se me cabe dizer, ‘cientificamente’ sozinho e desarmado”.
Resistindo aos sistemas redutores, Barthes tornou-se o sistema redutor de sua obra, e assim começou caminhar. Quem opera (operator), é o fotógrafo. Todos somos expectadores (spectator) enquanto público. Os alvos, o objeto fotografado, o espectro (spectrum). Esta última palavra, lembra, também traz relação com espetáculo e “com o retorno do morto”.
Barthes conheceu apenas os últimos papéis, não tendo paciência para esperar para ver o resultado daquilo que fotografou – naquela época em que o mais imediato e, para ele, decepcionante, era Polaroid.
Como spectrum, no entanto, lembra do momento em que, ao ser fotografado, “tudo muda: ponho-me a ‘posar’, fabrico-me instantaneamente um corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem”. Neste momento, passa-se de sujeito a objeto.
Observando que não consegue gostar de todas as fotos de um mesmo fotógrafo, Barthes identifica os momentos em que uma foto o “anima”, como uma aventura. O primeiro, é o studium – ligado a estudo, cultura, gosto. O outro, o punctum, está relacionado aos pontos sensíveis, “é esse acaso que, nela [fotografia], me punge (mas também me mortificam me fere).” A união leva ao afeto, e este ativa o olhar àquelas fotografias preferidas.
Em sua primeira referência à semiologia nesta última obra, o autor coloca que ela está limitada ao desempenho de alguns retratistas e que nas “boas” fotos resta pensar – “mesmo isso corre o risco de ser sentido como perigoso”. E, acrescenta, subversiva não é “quando [a fotografia] perturba, aterroriza ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa.”
“A Câmara Clara” é um livro muito pessoal, mais ainda no trecho em que o autor dedica às impressões sobre a única fotografia de sua mãe, já morta,
Nos últimos capítulos, ou dias – há quem acredite que os 48 capítulos foram escritos um a cada dia em forma de diário – Barthes revela os laços entre a fotografia e a loucura. A ligação que inicialmente acreditava ser por paixão a certas fotografias - “o sofrimento do amor”-, depois é reconhecida como piedade causada pelo punctum.Também há a transformação da fotografia em sensata. É o caso da domesticação – da qual o cinema faz parte, critica Barthes – e o da generalização.
E assim, sensata ou louca se dá a fotografia. Barthes possivelmente escolheu aquela que o pungia. E você, qual escolhe?

Poliana Lisboa
fonte bibliográfica:
Barthes, Roland. A câmara clara – Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro, RJ: Editora Nova Fronteira, 2ª edição, 1984.
crédito da foto1: imirante.globo.com
crédito da foto2:engl3890.blogspot.com
Um comentário:
Poliana
Excelente e poética reflexão sobre fotos e significados para o poeta Barthes.
Dirce
Postar um comentário